segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009


Os Imortais - Herman Hesse

Dos vales terrenos
chega até nós o anseio da vida: impulso desordenado, ébria exuberância,
sangrento aroma de repastos fúnebres.

São espasmos de gozo, ambições sem termo,
mãos de assassinos, de usuários, de santos,
o enxame humano fustigado pela angústia e o prazer.
Lança vapores asfixiantes e pútridos, crus e cálidos,
respira beatitude e ânsia insopitada,
devora-se a si mesmo para depois se vomitar

Manobra a guerra e faz surgir as artes puras,
adorna as ilusões a casa do pecado,
arrasta-se, consome-se, prostitui-se todo
nas alegrias de seu mundo infantil;
ergue-se em ondas ao encalço de qualquer novidade
para de novo retombar na lama.

Já nós vivemos
no gelo etéreo transluminado de estrelas:
não conhecemos os dias nem as horas,
não temos sexos nem idades.
Vossos pecados e angústias,
vssos crimes e lascivos gozos,
so para nós um espetáculo como girar de sóis.
Cda dia é para nós o mais longo.
Debruçados tranqüilos sobre nossas vidas,
cntemplamos serenos as estrelas que giram,
rspiramos o inverno do mundo sideral;
somos amigos do dragão celeste:
fria e imutável é a nossa eterna essência,
frígido e astral o nosso eterno riso.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Velha História - Mario Quintana

Era uma vez um homem que estava pescando, Maria. Até que apanhou um peixinho! Mas o peixinho era tão pequenininho e inocente, e tinha um azulado tão indescritível nas escamas, que o homem ficou com pena. E retirou cuidadosamente o anzol e pincelou com iodo a garganta do coitadinho. Depois guardou-o no bolso traseiro das calças, para que o animalzinho sarasse no quente. E desde então, ficaram inseparáveis. Aonde o homem ia, o peixinho o acompanhava, a trote, que nem um cachorrinho. Pelas calçadas. Pelos elevadores. Pelo café. Como era tocante vê-los no "17"! o homem, grave, de preto, com uma das mãos segurando a xícara de fumegante moca, com a outra lendo o jornal, com a outra fumando, com a outra cuidando do peixinho, enquanto este, silencioso e levemente melancólico, tomava laranjada por um canudinho especial... Ora, um dia o homem e o peixinho passeavam à margem do rio onde o segundo dos dois fora pescado. E eis que os olhos do primeiro se encheram de lágrimas. E disse o homem ao peixinho: "Não, não me assiste o direito de te guardar comigo. Por que roubar-te por mais tempo ao carinho do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãozinhos, da tua tia solteira? Não, não e não! Volta para o seio da tua família. E viva eu cá na terra sempre triste!..." Dito isso, verteu copioso pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho n’água. E a água fez redemoinho, que foi depois serenando, serenando... até que o peixinho morreu afogado...